Desde o meu primeiro contato com a música, nos tempos idos de minha infância querida, sempre senti uma suave frustação em simplesmente reproduzir músicas de outras pessoas. Sentia-me como se estivesse lendo o mesmo livro repetidas vezes, e este estranho sentimento me impulsionou a escrever minha primeira música em 1996.
Sempre me senti absolutamente deslocado na sociedade moderna. O capitalismo americano corroendo a essência da mais pura criatura, a frieza da internet, a indústria televisiva ditando as regras da "nova cultura", a política mundial e seus "falsos" cristos. O mundo cultural do século 21 foi tão contaminado pelo capitalismo que até mesmo Beethoven passaria despercebido nos dias atuais, fosse ele nosso contemporâneo. Estes sentimentos sempre estiveram presentes em minha vida, mas foram nos anos de 1999 e 2000 que atingiram o apogeu em minha mente, e foi nesta época que escrevi a maioria das canções que viria a gravar em 2006, naquele que seria o meu primeiro trabalho de músicas próprias - "Entre Amigos".
O Rock and Roll sempre foi o carro chefe da minha inspiração. Bandas como Creedence Clearwater Revival, The Who, Beatles, Simon and Garfunkel, Eagles e Dire Straits estavam entre minhas maiores influências musicais. Mas por mais que eu tentasse compor algo parecido naquele período, tudo o que saía de minhas mãos refletia o meu estado de espírito altamente perturbado.
O resultado muitas vezes me deixava frustrado, outras vezes irritado. Eu já havia composto 9 músicas entre 1996 e 1998 , e todas ficaram extamente como deveriam ficar. Algumas destas canções foram utilizadas em 1998 pela Colling K, então minha banda, e duas destas músicas viriam a rodar algumas vezes na programação da Rádio Transamérica, em um programa que valorizava o Rock Gaúcho, graças ao Festival Bad Wolf.
Mas no final de 1999 eu vivia outro momento. Sentia a vontade de compor novas canções. A Colling K havia terminado, eu estava sem banda e procurava algo novo. Mas as minhas novas composições não se pareciam em nada com o que deveriam se parecer, e então um dia joguei tudo dentro de uma gaveta e as deixei ali, adormecidas, sem saber se algum dia eu voltaria a aproveitá-las. Foi somente em outubro de 2000, quando eu escrevi uma música chamada Fada dos Anjos, é que fui compreender que a composição não deve ser direcionada. Ela deve partir de dentro de seu criador, deve surgir e fluir como se fosse o próprio som do coração. Retomei meus manuscritos da gaveta e encontrei neles a essência da minha alma. Um momento do livro de minha vida registrado em frases e cifras.
A idéia de entrar em estúdio e gravar um disco solo acabou ficando em segundo plano depois de 2001. A minha passagem pela banda Alcaholy (2001-2003) e meu posterior ingresso na banda Acústico Blue em 2003 fizeram-me parecer obsoleta a idéia de um trabalho solo. Em 2005 estávamos com os ânimos à flor da pele na Acústico Blue. Haviamos vencido um festival de rock, estavamos com a agenda lotada em todos os finais de semana, mas as coisas não iam bem. Eu voltara a sentir a velha sensação de estar lendo o mesmo livro repetidas vezes. Tocávamos muito, mas nada nosso. Foi em janeiro de 2006 que decidi sair da Acústico Blue, e retomar meu antigo projeto de composições próprias.
Eu estava desgastado com a música. Tocara por dois anos quase que ininterruptamente na noite e estava disposto a tirar a música da minha vida. Foi com este espírito que entrei em estúdio em 2006, junto com meu amigo Cabeça, para gravar "Entre Amigos", e este seria meu "último show". Das quinze músicas escritas para ele, apenas nove acabaram entrando, e uma versão que fiz para Crazy Mary.
"Entre Amigos" foi gravado de forma independente e sem nenhuma pretenção comercial. Das 150 cópias que foram feitas, todas foram distribuidas gratuitamente entre meus amigos, e daí vem o nome deste trabalho.
Em setembro de 2006, "Entre Amigos" foi reproduzido na íntegra na Rádio Ferrabraz em Sapiranga, no programa dominical da época, o qual eu havia sido convidado para participar e mostrar meu trabalho. Logo após o CD ter tocado por inteiro, uma ouvinte ligou para o programa (talvez a única que tenha tido paciência para ficar ao lado do rádio durante toda a execução do disco) e falou apenas uma frase: Fantástico, e a voz dele é muito boa. Esta foi a única crítica que o mediano "Entre Amigos" recebeu no ano de seu lançamento. Pode parecer muito pouco diante dos olhos da esmagadora mídia capitalista, mas para este compositor que lhes escreve, esta simples crítica foi a glória da glória.
O ano de 2006 foi um ano de reclusão artística, onde passei a me dedicar exclusivamente aos esportes, corrida, musculção e surf. Mas a ironia do destino acabaria por transformar este ano em um marco na minha vida musical. Muitas mudanças aconteceriam e uma nova fase criativa começaria a surgir, assim como meu regresso à Acústico Blue em dezembro deste mesmo ano. "Entre Amigos" não é um disco maravilhoso, mas também não é ruim. É um trabalho mediano, sempre bem aceito por quem o escuta. Talves o excesso de negativismo presente nas letras, e a sonoridade ao estilo "Tempestade" do Legião Urbana, tenham tirado um pouco do brilho de boas melodias. Mas mesmo assim, me orgulho de tê-lo escrito.
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